Muitas pessoas aumentaram de peso durante o confinamento provocado
pela pandemia de COVID-19. A solução ideal para travar este problema
pode passar por procurar ajuda médica.
A COVID-19 colocou de novo a obesidade na agenda da Saúde e criou
maior necessidade de repensar como vemos e tratamos esta doença.
Apesar de nos últimos anos ter havido grandes progressos para melhor
entender a ciência da regulação do peso e o desenvolvimento de
melhores opções terapêuticas para tratar a obesidade, falar sobre o
peso com os profissionais de saúde continua a ser um desafio que tem
de ser ultrapassado, porque o seu médico pode efetivamente ser o seu
melhor aliado.
E porquê o médico? Porque a obesidade é uma doença. É uma doença
crónica, complexa e multifatorial. O excesso de “gordura” no organismo
afeta o seu normal funcionamento e a qualidade de vida. A “gordura”,
ou tecido adiposo, é constituída por células, denominadas adipócitos
que, ao contrário do que se possa pensar, não são inertes ou passivas.
Na verdade, estas células segregam hormonas e peptídeos que interagem
com o coração, fígado, pâncreas e outros órgãos internos e podem
provocar várias patologias.
É crucial entender que o corpo defende – sim, defende!- o seu maior
peso e retém energia sob a forma de gordura, um dos constituintes do
tecido adiposo, como estratégia de proteção. Da mesma forma que a
transpiração serve para proteger o corpo do sobreaquecimento e o
tremer é uma estratégia do corpo para combater o frio, a retenção de
energia sob a forma de “gordura” é uma “arma” do corpo para nos ajudar
a sobreviver à escassez de alimentos. No passado distante, quando a
comida não era de fácil acesso e o homem tinha de caçar para comer - e
muitas vezes corria o risco de morrer de fome - esta capacidade de
armazenamento era uma estratégia adaptativa favorável de
sobrevivência. O cérebro percecionava a fome e o metabolismo era
desacelerado. Apesar de toda a evolução do ser humano, esses
mecanismos de preservação da vida estão, ainda hoje em funcionamento,
numa altura em que em vez de falta temos excesso de comida, o que se
tornou numa estratégia desfavorável, conducente à obesidade e a
múltiplas doenças e até mesmo à morte.
Ou seja, aquilo que um dia foi estratégia de sobrevivência, hoje
aumenta exponencialmente o número de doenças e encurta a vida. Sendo a
obesidade uma doença crónica, tal como a diabetes tipo 2, a
hipertensão ou a asma, o seu tratamento requer a combinação da
abordagem médica e da alteração de comportamentos, o que requer um
grande empenho na autogestão e o apoio de profissionais de saúde.
Nesta relação o doente não pode ser passivo nem “submisso”, mas o
“ator” central de mudança. Tratar a obesidade exige que haja uma
parceria entre o médico e o doente.
Paula Freitas, endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa
para o Estudo da Obesidade (SPEO), sublinha: “O doente com obesidade
tem de se rodear de estratégias para o empenho na mudança
comportamental e na promoção de um estilo de vida saudável. Ora, isto
também requer o empenho dos profissionais de saúde, em reconhecer a
obesidade como doença que é e em iniciar o seu tratamento mais
precocemente. Uma das grandes barreiras que o doente com obesidade
enfrenta é que muitas vezes os profissionais de saúde, até por
limitação de tempo, tratam todas as outras doenças, inclusivamente
aquelas que já são consequência da obesidade, mas não abordam o
problema da obesidade. Precisamos de tratar a base do problema e não
apenas a ponta do iceberg. E dar acesso, desde logo nos cuidados
primários de saúde, a consultas dirigidas para a prevenção e
tratamento da obesidade ou para a prevenção da progressão para
obesidade, nos casos de pré-obesidade”.
A especialista refere outras barreiras ao tratamento da obesidade:
“muitas vezes o doente também não aborda espontaneamente com o médico
de família o seu problema. Ou tem objetivos e expectativas que não são
realistas. Ou seja, muitos doentes julgam que vão fazer uma
intervenção alimentar ou de exercício físico num espaço de tempo
relativamente curto e que o problema da obesidade desaparece. E a
realidade não é esta: a intervenção em termos de educação alimentar e
prática de exercício físico é para toda a vida, numa perspetiva de ter
uma vida longa e livre de doença”.
Com grande experiência no tratamento da obesidade, Paula Freitas
sublinha a importância da modificação de comportamentos aliada à
terapêutica: “Temos de disponibilizar estratégias de tratamento que
incluam modificação comportamental, dieta, exercício e terapêutica
farmacológica para os doentes com obesidade ou pré-obesidade e com
comorbilidades, como diabetes, hipertensão arterial, apneia do sono,
artroses, etc. E temos ainda de disponibilizar, em tempo útil,
tratamentos de cirurgia bariátrica ou metabólica para os doentes já
com formas mais graves da doença”.
E defende que, para além de tratar, o papel dos médicos e outros
profissionais de saúde deve passar pela prevenção: “temos de
implementar estratégias de prevenção primária, ou seja, dirigidas a
toda a população, quer com excesso de peso ou não, de modo a fazer uma
educação para a saúde a longo prazo, com enfâse na alimentação
equilibrada e na prática regular de exercício físico. Estratégias
essas que devem ser combinadas com programas de prevenção secundária,
para aqueles já com pré-obesidade e em risco de progressão para
obesidade e outros programas para as formas mais graves de obesidade.”
Num cenário ideal, defende a presidente da SPEO, “todos os
profissionais de saúde deveriam ter competências em obesidade, de modo
a diagnosticar a doença (o que não é difícil) e a tratar o doente e a
doença em todas as suas vertentes. O ideal seria ter a equipa
multidisciplinar referida para assegurar um tratamento integrado. No
caso de formas mais ligeiras de obesidade, o tratamento deveria
acontecer nos cuidados de saúde primários, enquanto as formas mais
graves, com eventual necessidade de recurso a cirurgia, deveriam ser
orientadas para os hospitais com competência no tratamento cirúrgico
da obesidade”.