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Conselho de Profissionais Saúde do Homem Psicologia

Os homens não choram... e outros mitos

Imagine um mundo onde, num dia, um semáforo vermelho significa “parar”, mas no dia seguinte significa “avançar”. Nunca chegaríamos a lado nenhum nesse mundo. Ficaríamos confusos. No entanto, as mensagens e regras contraditórias em torno de modelos masculinos estão a criar precisamente esse efeito e, em alguns casos, estão até a comprometer a nossa saúde. Mas será que temos de aceitar estas regras ou podemos decidir por nós próprios? Continue a ler...

3 min. leitura
Woman speaking to doctor

Por Dr. Michael Vallis, agosto de 2020

A construção do homem moderno

Chama-se a isto ideologia de género. As suas crenças culturais dizem-lhe como se deve sentir e agir.

A visão masculina tradicional diz: os homens não devem mostrar fraqueza ou envolver-se em atividades femininas; devem procurar a aventura, mesmo que isso signifique violência, e devem lutar pelo sucesso, mantendo-se sempre firmes.

Suspeito que a maioria dos homens que lê este parágrafo reconhece estes chavões. Mas até que ponto acredita e segue estes comportamentos? E será possível que ao fazê-lo isso seja mais prejudicial do que útil?

Como psicólogo acredito que compreender o comportamento, e não julgá-lo, é o ponto de partida para a mudança. Compreender o comportamento dá-nos a oportunidade de refletir, considerar outras formas de agir e decidir por nós próprios qual a linha de ação que mais nos aproxima da pessoa que queremos ser.

“Acredito que compreender o comportamento, e não julgá-lo, é o ponto de partida para a mudança.”

-Dr. Michael Vallis

Porque seguimos as normas sociais?

Então, como devemos encarar a nossa predisposição para seguir as normas sociais?

Todos sabemos que os seres humanos têm instintos de sobrevivência. Normalmente, associamos esses instintos à sobrevivência física. Mas a verdade é que, além da sobrevivência física, temos também um instinto para a sobrevivência social.

Os seres humanos são animais sociais. Queremos estar integrados e não queremos ser rejeitados. Não é, portanto, surpresa que seja necessário existir um conjunto de regras sobre o que é ou não correto.

Mas será possível que tenha desenvolvido crenças sobre a forma como deve agir que estão a interferir com a sua capacidade de gerir o seu peso?

Impacto da cultura masculina nas taxas de obesidade e na saúde masculina

E então? Que diferença faz? Vejamos então. A verdade é que, quando comparados com as mulheres, os homens parecem ter uma perceção errada sobre o seu excesso de peso. É raro ouvir um homem perguntar à sua companheira: “Isto faz-me parecer gordo?”

Pelo contrário, é frequente vermos um homem a bater na barriga, abrir o peito e dizer: "Sempre fui um homem grande e forte."

Mesmo quando reconhecem que têm excesso de peso, os homens têm menos tendência a associá-lo a problemas de saúde. E têm também menos probabilidade de ponderar gerir o seu peso.

E qual é então o problema? Boa pergunta! Porque a obesidade está a aumentar em todo o mundo. Surpreendê-lo-ia saber que no caso dos homens nascidos entre 1946 e 1964, houve um aumento de 29% na prevalência da obesidade, em cada década, desde 1950? É uma estatística chocante, na verdade.

“Outro problema decorrente da cultura masculina é o facto de os homens resistirem a procurar ajuda quando precisam. Procurar ajuda não é consistente com a crença de que um homem deve ser forte e autossuficiente.”

-Dr. Michael Vallis

Mas imagine que não está feliz com o seu peso; isso faz com que se sinta mal consigo mesmo. Ao reprimir estas emoções nada muda, só vai alimentar o seu problema de peso e fazer com que se sinta pior. Este círculo vicioso pode ter um impacto devastador na nossa autoimagem.

Algumas pessoas chegam a desenvolver o que designamos por “síndrome do impostor”. Resistentes por fora, mas despedaçados por dentro.

Lidar com a resposta e o stress: a armadilha da negação

OK. Há então algo nos homens que os faz sofrer em silêncio e sentirem-se mal por nada mudar.

Mas para agravar esta situação, os homens em países desenvolvidos correm um risco mais elevado de desenvolver quase todo o tipo de doenças crónicas: cancro do pulmão, doença hepática, doença cardíaca, AVC e, claro, obesidade.

Por defeito, a resposta dos homens ao stress acentua a sua tendência para não reconhecerem a existência de um problema e não procurarem ajuda. É aqui que o instinto de sobrevivência volta a entrar em cena. Por instinto, procuramos o prazer e evitamos a dor. A resposta mais frequente é Fugir ou Evitar.

“Por defeito, a resposta dos homens ao stress acentua a sua tendência para não reconhecerem a existência de um problema e não procurarem ajuda.”

-Dr. Michael Vallis

Mais do que uma estratégia para lidar com problemas

Então, como devemos agir? Felizmente, existem alternativas à estratégia de evitar por defeito.

Existem quatro formas de responder ao stress:

As emoções associadas ao stress podem ser geridas de duas formas: afastando-as (repressão) ou focando-se nelas (sensibilização).

Estas respostas formam um padrão;

  • O combate/ fuga correspondem à repressão e estão associados àquilo a que chamamos resposta focada na ação.
  • O cuidado/aceitação correspondem à sensibilização e estão associados ao que chamamos resposta focada na emoção.

Isto não é bom nem mau. Gostaria que pensasse nestas formas de reagir ao stress como opções. Se o plano A não funcionar, considere o plano B.

Se os homens tendem a ter uma resposta focada na ação, com tendência para reprimir os sentimentos e para optar por comportamentos de combate/fuga, então existem opções. Estar recetivo a expressar os seus sentimentos e a concentrar-se em cuidar de si e dos outros pode abrir toda uma possibilidade de escolhas.

A father and son standing outside hugging eachother.

“Estar recetivo a expressar os seus sentimentos e a concentrar-se em cuidar de si e dos outros pode abrir toda uma possibilidade de escolhas.”

-Dr. Michael Vallis

Que resposta adotar quando se vive com obesidade?

Ter opções é bom porque a obesidade é uma doença complexa; não é simplesmente o resultado de más escolhas e falta de força de vontade. Pelo contrário, é um reflexo de fatores biológicos, genéticos, sociais e ambientais (bem como pessoais).

É por este motivo que a classificamos como uma doença crónica. E tal como todas as doenças crónicas, não é possível geri-la sozinho.

O que funciona para os homens no que diz respeito ao tratamento da obesidade?

O que pode ser feito? Quando analisamos a investigação existente sobre o tratamento da obesidade, verificamos que, na maioria dos estudos, o número de mulheres é superior ao número de homens. Isto faz com que seja mais difícil ajudar os homens.

Muitos programas típicos de obesidade são vistos como mais orientados para as mulheres, não reconhecendo as necessidades dos homens. Mas têm existido casos de sucesso.

Tomemos como exemplo dois estudos de gestão do peso direcionados aos homens. Um foi denominado programa FFIT (Football Fans in Training) e decorria em estádios de futebol.

Outro chamava-se HAT TRICK e utilizava os vestiários de um estádio de hóquei semi‑profissional para comunicar com o público masculino.

A investigação sugere que os programas são mais apelativos para o sexo masculino se:

  • incluírem interação de grupo com homens com a mesma mentalidade
  • usarem o humor na apresentação do programa
  • apresentarem algum tipo de competição e
  • tiverem como foco a atividade física e a alimentação

Mas e se eu não estiver inclinado para aceitar um diagnóstico de obesidade como uma doença crónica que deve ser tratada como tal e que pode exigir a ajuda de um profissional? O que acontece?

Somos todos atletas

Sou fã de metáforas, por isso, permita-me utilizar uma. Em vez de se ver como "doente" ou "fraco" e a precisar de ajuda, estaria disposto a redirecionar a sua situação para o atleta que há em si?

Os atletas precisam de treinadores. Poucos atletas chegam ao topo sem treinadores. Na verdade, os atletas de elite têm uma equipa de treinadores. Poderia ser este um caminho para conseguir mais saúde?

No fundo, é como se estivesse a regressar de uma longa época de baixa para voltar a treinar.

“Em vez de se ver como doente ou fraco e a precisar de ajuda, estaria disposto a redirecionar a sua situação para o atleta que há em si? Os atletas precisam de treinadores.”

-Dr. Michael Vallis

Gerir a obesidade é um desporto de equipa

Tal como no desporto, a constituição da sua equipa de cuidados de saúde deve depender das suas necessidades e do seu estado de saúde, mas à partida poderá incluir um médico especializado em obesidade, um nutricionista, um fisiologista de exercício e um psicólogo. 

O seu médico pode avaliar o impacto do peso na sua saúde, ajudá-lo a desenvolver um plano personalizado de gestão de peso e propor medicação e/ou cirurgia, quando adequado.

Os nutricionistas podem ajudá-lo a encontrar uma alimentação saudável e a encontrar formas de reduzir calorias para alcançar um peso mais saudável. Os fisiologistas de exercício podem ajudá-lo a criar um plano de atividade física personalizado. E um psicólogo vai apoiá-lo na mudança de comportamento e na promoção de uma autoestima saudável.

Em resumo, comece por criar a sua equipa de cuidados de saúde. E, usando uma expressão mais coloquial, mantenha-se firme e focado no jogo.

Referências
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PT24OB00019

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