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Estigma

Obesidade e linguagem: o peso das palavras quando falamos sobre a doença

A prevalência do estigma relacionado com o peso em todo o mundo cresceu a um ritmo acelerado nos últimos anos. Cerca de metade dos adultos já sofreram o estigma associado ao peso, e estudos recentes mostram que esta tendência continua a verificar-se a nível mundial.

Felizmente, esta trajetória está a mudar com a adoção da “linguagem que coloca as pessoas em primeiro lugar.”

4 min. leitura
Pessoas com obesidade sorridentes.

Mas afinal, o que é que queremos dizer com 'linguagem que coloca as pessoas em primeiro lugar'?

Simplificando, a linguagem “people-first” (a pessoa em primeiro) ou “person-first language” (linguagem que coloca a pessoa em primeiro lugar) é uma forma de descrever alguém (ou um diagnóstico), que coloca a pessoa em primeiro lugar, e não a doença.

A forma mais comum de descrever alguém com um índice de massa corporal (IMC) superior a 30 é "obeso". Embora a maior parte das pessoas que utilizam este termo - incluindo os médicos - não tenham qualquer intenção negativa, a utilização de termos como “obeso”, “obeso mórbido” e “gordo” reflete preconceitos em relação ao peso, reduzindo a pessoa apenas à sua doença. 

A “linguagem que coloca as pessoas em primeiro lugar” não é um conceito novo, apenas ainda não foi amplamente adotada no caso da obesidade. De facto, o movimento “a pessoa em primeiro lugar” foi introduzido em 1974, e depois amplamente defendido pela Associação Americana de Psicologia no início da década de 1990. Para dar um exemplo, seria muito invulgar ouvir alguém dizer “o homem canceroso teve uma consulta no hospital quando lhe foi diagnosticado um cancro". O que ouviríamos seria "o homem com cancro teve uma consulta no hospital". Mais recentemente, a literatura e a comunicação no domínio da saúde deixaram de utilizar o termo “diabético” para descrever uma pessoa com diabetes, utilizando em alternativa "pessoa que vive com diabetes".

Porque é que ainda ouvimos a palavra “gordo” e “obeso”?

Algumas pessoas podem não se sentir intimidadas pela linguagem utilizada para descrever a obesidade. Contudo, é importante compreender o possível impacto do auto-estigma, um efeito secundário inconsciente de uma sociedade com preconceitos em relação ao peso.

O auto-estigma, ou o estigma internalizado sobre o peso, pode ser descrito simplesmente como um sentimento negativo sobre si próprio ou como o reforço de estereótipos negativos sobre o peso. Infelizmente, o impacto do estigma internalizado sobre o peso pode reforçar os próprios estereótipos e dar origem ao auto-estigma. Por exemplo, uma pessoa que tenha sentimentos negativos sobre si própria tem menos probabilidades de aderir a um programa de gestão do peso. O auto-estigma está ainda associado a uma maior exposição a outras comorbilidades normalmente associadas à obesidade (doenças cardíacas, osteoporose, diabetes e saúde mental).

Se acha que pode estar a lidar com sentimentos de auto-estigma, existem recursos e grupos de apoio que o podem ajudar. Falar com um profissional de saúde experiente na gestão da obesidade pode ser um primeiro passo. Encontre um médico perto de si!

Então, o que é que se pode dizer em vez de “obeso”?

A forma mais correta de falar sobre a obesidade é descrever alguém como 'vivendo com obesidade'. Isto reforça o facto de a obesidade ser uma doença e afasta a linguagem da culpa ou da responsabilidade pessoal. Utilizar termos como “obesidade grave” em vez de “obesidade mórbida” e “peso/excesso de peso” em vez de “pesado/gordo” também promove o anti-estigma do peso.

A Coligação Europeia de Pessoas que Vivem com a Obesidade (ECPO) partilha outros exemplos de “linguagem das pessoas em primeiro lugar” aqui.

Se existe este conceito, porque é que a linguagem estigmatizante continua a surgir?

Basta abrir um jornal para ver a utilização de linguagem estigmatizante, imagens e estereótipos negativos. À medida que a prevalência da obesidade aumenta, a cobertura mediática em todo o mundo tem aumentado, sendo as pessoas que vivem com obesidade frequentemente culpadas pela sua doença. É difícil compreender porque é que ainda acontece, mas o que sabemos é que está na altura de mudar esta situação!

Referências
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