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Viver com Obesidade

Obesidade e família: o peso dos facilitadores

Filhos de pais que vivem com obesidade têm maior probabilidade de desenvolver a doença. Quem o afirma é Margarida Santos, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, confirmando o impacto que o padrão alimentar deste núcleo tem nas rotinas de futuro. Sabendo que as pessoas mais próximas são, muitas vezes, quem suporta os hábitos menos saudáveis – os facilitadores –, é fundamental considerar a relação entre a obesidade e a família, quando se dão os primeiros passos rumo a um estilo de vida mais salutar. 

3 min. leitura
Margarida Santos, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar.

A obesidade é uma doença crónica multifatorial complexa, caraterizada pela acumulação excessiva ou anormal de tecido adiposo, que se traduz num impacto negativo para a saúde. Contrariando quem a considerava apenas um fator de risco, a Direção Geral de Saúde (DGS) atribuiu-lhe o estatuto de doença crónica em 2004, o que a equipara a patologias como a hipertensão arterial, a diabetes mellitus e a dislipidemia. A este respeito, Margarida Santos deixa o alerta “a obesidade está associada a um maior risco de complicações médicas a longo prazo, com consequente impacto na qualidade e esperança média de vida das pessoas que vivem com esta condição”.

Sabendo que aproximadamente 65% da população portuguesa vive com excesso de peso ou obesidade, é fundamental que se aposte na literacia e que se agilize o acesso a ajuda especializada.

A mudança de abordagem passa por perceber que “o conceito de saúde não se resume apenas à ausência de doença, mas também ao bem-estar físico e mental”, relembra a médica. É por isso que o debate sobre a adoção de um estilo de vida saudável não fica completo sem olhar de forma integrada para a relação entre a obesidade e a família, ou o contexto sociocultural do paciente. Fica assim identificada uma das principais dificuldades com que se deparam as pessoas com obesidade: gerir e contrariar a desinformação ou os hábitos menos saudáveis enraizados nos seus núcleos mais próximos.

Prevenir e gerir a obesidade também é um assunto de família

Diz a sabedoria popular que prevenir é melhor do que remediar, uma máxima que Margarida Santos vê com bons olhos “a prevenção da obesidade é fundamental, uma vez que é a melhor forma de evitar os riscos e complicações associados a esta doença crónica”. Sabendo que somos, desde cedo, influenciados pela nossa família e pelas pessoas que nos rodeiam, “é nestes núcleos que surge uma janela de oportunidade importante para a disseminação de hábitos e rotinas mais saudáveis que nos ajudem a prevenir, mas também a gerir a obesidade, especialmente à mesa”, reforça.

A alimentação representa uma grande fatia do nosso quotidiano, desde o nascimento – com a amamentação e introdução alimentar – até à idade adulta. Perante a chegada de um filho, é importante que os pais aproveitem para repensar as suas rotinas, assim como a escolha e confeção de alimentos. Esta preocupação, de grande impacto na vida da criança é, na verdade, uma missão para a família, já que o exemplo é uma forma ancestral de educar. No que diz respeito aos filhos, “a partilha de informação, como receitas ou novas ideias, pode ser uma forma de motivar a mudança dos pais”, sugere Margarida Santos.

Sendo certo que as escolhas alimentares dos que nos rodeiam são, muitas vezes, as que replicamos ao longo da vida, é muito importante que a família esteja disponível para aprender que as opções alimentares saudáveis podem ser saborosas e acessíveis. Do mesmo modo, a prática de atividade física tem benefícios reconhecidos para a saúde física e mental, assim como para a prevenção e gestão da obesidade – especialmente se for uma rotina para a qual contribuem todos os elementos do agregado.  “Em ambas as dimensões, o segredo é descomplicar e fazer desta missão um trabalho de equipa, em permanência”, remata a especialista.

Quando tal não acontece e é a própria família - ou as relações próximas - que desincentiva ou dificulta a mudança, a caminhada solitária pode ser mais demorada ou levar a resultados menos satisfatórios. Apesar da importância das várias redes de apoio, Margarida Santos relembra que “nenhuma alteração de estilo de vida é sustentável se for feita com base numa imposição. Tem de haver uma vontade de mudar e de pedir ajuda – de forma que a mudança seja duradoura e não comprometa o bem-estar físico e mental de cada um”.

A informação e o diálogo são, na mesma medida, veículos poderosos para esta transformação benigna, recorda a médica: “abordar o tema da obesidade de forma descomplicada, partilhando informação fidedigna e, acima de tudo, mostrando disponibilidade para falar sobre o assunto sem julgamentos é um bom primeiro passo”.

 

Gerir a obesidade de dentro para fora

Pedir ajuda é, muitas vezes, o primeiro passo no que diz respeito à gestão da obesidade. O primeiro e o mais difícil, nalguns casos, já que “o tema continua erradamente associado a estigma e culpa”, lamenta Margarida Santos. Em resposta a esta mentalidade, apoiar quem vive com obesidade passa por evitar qualquer tipo de julgamento e compreender a complexidade da doença, cuja etiologia não se prende exclusivamente com a dieta ou exercício físico: “estão em causa um conjunto de fatores genéticos, hormonais, sócio culturais, psicológicos, entre outros”, conclui a médica.

É por isso que viver com obesidade é também um exercício de resistência à autoculpabilização. Saber que pedir ajuda pode fazer a diferença e conhecer os recursos disponíveis, pode ser transformador, especialmente em contextos familiares mais hostis. “A obesidade não precisa de ser um caminho solitário - trabalhá-la em comunidade, e com apoio especializado, torna o processo bastante mais fácil e eficaz”, relembra Margarida Santos. “Se se revê nos desafios que referi, não hesite em falar com o seu médico de família ou outro profissional de saúde em quem confia – pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, é um passo na direção certa”, conclui.

Dietas restritivas são uma abordagem sustentável?

Sem apoio qualificado, ao longo do tempo, a pessoa com obesidade vai tentando um sem-fim de alternativas que passam por planos altamente restritivos – ou os famosos detox – com baixo consumo calórico e consequente desgaste físico e emocional. Margarida Santos é perentória em relação a estas abordagens: “múltiplos estudos demonstram que este tipo de dieta não favorece uma perda de peso sustentável e duradoura, podendo até contribuir para o aumento de comportamentos compulsivos a longo prazo”.

Por oposição a estratégias mais extremadas, uma alimentação saudável não precisa de excluir um grupo de alimentos específico, sendo até desejável que inclua várias opções, de forma equilibrada e diversificada. “Quando falamos de reeducação alimentar é preciso incluir ferramentas como aprender a ler rótulos, aumentar a literacia nutricional e compreender de que forma podemos incluir diferentes alimentos numa dieta saudável”, esclarece a especialista. Optar por consumir mais frutas, legumes e leguminosas pode ajudar a melhorar o padrão alimentar, sendo para isso útil descobrir novas formas de cozinhar e novas receitas. “É fundamental garantir que não se associa a alimentação saudável a comida aborrecida ou inacessível”, remata.

Comer bem, de forma continuada, não deve ser complicado nem desinteressante. Há que ser criativo e, na dúvida, simplificar. Trocar um lanche processado, como por exemplo um croissant, por uma peça de fruta e um iogurte natural ou sem açúcar adicionado é um bom exemplo de que não é necessário gastar mais dinheiro ou ter muito trabalho para fazer escolhas que nos sabem e fazem bem. 

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