Filhos de pais que vivem com obesidade têm maior probabilidade de
desenvolver a doença. Quem o afirma é Margarida Santos, Médica
Interna de Medicina Geral e Familiar, confirmando o impacto
que o padrão alimentar deste núcleo tem nas rotinas de futuro.
Sabendo que as pessoas mais próximas são, muitas vezes, quem suporta
os hábitos menos saudáveis – os facilitadores –, é fundamental
considerar a relação entre a obesidade e a família, quando se dão os
primeiros passos rumo a um estilo de vida mais salutar.
A obesidade é uma doença crónica multifatorial complexa,
caraterizada pela acumulação excessiva ou anormal de tecido adiposo,
que se traduz num impacto negativo para a saúde. Contrariando quem a
considerava apenas um fator de risco, a Direção Geral de Saúde (DGS)
atribuiu-lhe o estatuto de doença crónica em 2004, o que a equipara
a patologias como a hipertensão arterial, a diabetes mellitus
e a dislipidemia. A este respeito, Margarida Santos deixa o alerta
“a obesidade está associada a um maior risco de complicações médicas
a longo prazo, com consequente impacto na qualidade e esperança
média de vida das pessoas que vivem com esta condição”.
Sabendo que aproximadamente 65% da população portuguesa vive com excesso de
peso ou obesidade, é fundamental que se aposte na literacia e
que se agilize o acesso a ajuda especializada.
A mudança de abordagem passa por perceber que “o conceito de
saúde não se resume apenas à ausência de doença, mas também ao
bem-estar físico e mental”, relembra a médica. É por isso que o
debate sobre a adoção de um estilo de vida saudável não fica
completo sem olhar de forma integrada para a relação entre a
obesidade e a família, ou o contexto sociocultural do paciente. Fica
assim identificada uma das principais dificuldades com que se
deparam as pessoas com obesidade: gerir e contrariar a desinformação
ou os hábitos menos saudáveis enraizados nos seus núcleos mais próximos.
Diz a sabedoria popular que prevenir é melhor do que remediar, uma
máxima que Margarida Santos vê com bons olhos “a prevenção da
obesidade é fundamental, uma vez que é a melhor forma de evitar os
riscos e complicações associados a esta doença crónica”. Sabendo que
somos, desde cedo, influenciados pela nossa família e pelas pessoas
que nos rodeiam, “é nestes núcleos que surge uma janela de
oportunidade importante para a disseminação de hábitos e rotinas mais
saudáveis que nos ajudem a prevenir, mas também a gerir a obesidade,
especialmente à mesa”, reforça.
A alimentação representa uma grande fatia do nosso quotidiano, desde
o nascimento – com a amamentação e introdução alimentar – até à idade
adulta. Perante a chegada de um filho, é importante que os pais
aproveitem para repensar as suas rotinas, assim como a escolha e
confeção de alimentos. Esta preocupação, de grande impacto na vida da
criança é, na verdade, uma missão para a família, já que o exemplo é
uma forma ancestral de educar. No que diz respeito aos filhos, “a
partilha de informação, como receitas ou novas ideias, pode ser uma
forma de motivar a mudança dos pais”, sugere Margarida Santos.
Sendo certo que as escolhas alimentares dos que nos rodeiam são,
muitas vezes, as que replicamos ao longo da vida, é muito importante
que a família esteja disponível para aprender que as opções
alimentares saudáveis podem ser saborosas e acessíveis. Do mesmo modo,
a prática de atividade física tem benefícios reconhecidos para a saúde
física e mental, assim como para a prevenção e gestão da obesidade –
especialmente se for uma rotina para a qual contribuem todos os
elementos do agregado. “Em ambas as dimensões, o segredo é
descomplicar e fazer desta missão um trabalho de equipa, em
permanência”, remata a especialista.
Quando tal não acontece e é a própria família - ou as relações
próximas - que desincentiva ou dificulta a mudança, a caminhada
solitária pode ser mais demorada ou levar a resultados menos
satisfatórios. Apesar da importância das várias redes de apoio,
Margarida Santos relembra que “nenhuma alteração de estilo de vida é
sustentável se for feita com base numa imposição. Tem de haver uma
vontade de mudar e de pedir ajuda – de forma que a mudança seja
duradoura e não comprometa o bem-estar físico e mental de cada
um”.
A informação e o diálogo são, na mesma medida, veículos poderosos
para esta transformação benigna, recorda a médica: “abordar o tema da
obesidade de forma descomplicada, partilhando informação fidedigna e,
acima de tudo, mostrando disponibilidade para falar sobre o assunto
sem julgamentos é um bom primeiro passo”.
Pedir ajuda é, muitas vezes, o primeiro passo no que diz respeito à
gestão da obesidade. O primeiro e o mais difícil, nalguns casos, já
que “o tema continua erradamente associado a estigma e culpa”, lamenta
Margarida Santos. Em resposta a esta mentalidade, apoiar quem vive com
obesidade passa por evitar qualquer tipo de julgamento e compreender a
complexidade da doença, cuja etiologia não se prende exclusivamente
com a dieta ou exercício físico: “estão em causa um conjunto de
fatores genéticos, hormonais, sócio culturais, psicológicos, entre
outros”, conclui a médica.
É por isso que viver com obesidade é também um exercício de
resistência à autoculpabilização. Saber que pedir ajuda pode fazer a
diferença e conhecer os recursos disponíveis, pode ser transformador,
especialmente em contextos familiares mais hostis. “A obesidade não
precisa de ser um caminho solitário - trabalhá-la em comunidade, e com
apoio especializado, torna o processo bastante mais fácil e eficaz”,
relembra Margarida Santos. “Se se revê nos desafios que referi, não
hesite em falar com o seu médico de família ou outro profissional de
saúde em quem confia – pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, é um
passo na direção certa”, conclui.
Sem apoio qualificado, ao longo do tempo, a pessoa com obesidade vai
tentando um sem-fim de alternativas que passam por planos altamente
restritivos – ou os famosos detox – com baixo consumo calórico
e consequente desgaste físico e emocional. Margarida Santos é
perentória em relação a estas abordagens: “múltiplos estudos
demonstram que este tipo de dieta não favorece uma perda de peso
sustentável e duradoura, podendo até contribuir para o aumento de
comportamentos compulsivos a longo prazo”.
Por oposição a estratégias mais extremadas, uma alimentação saudável
não precisa de excluir um grupo de alimentos específico, sendo até
desejável que inclua várias opções, de forma equilibrada e
diversificada. “Quando falamos de reeducação alimentar é preciso
incluir ferramentas como aprender a ler rótulos, aumentar a literacia
nutricional e compreender de que forma podemos incluir diferentes
alimentos numa dieta saudável”, esclarece a especialista. Optar por
consumir mais frutas, legumes e leguminosas pode ajudar a melhorar o
padrão alimentar, sendo para isso útil descobrir novas formas de
cozinhar e novas receitas. “É fundamental garantir que não se associa
a alimentação saudável a comida aborrecida ou inacessível”,
remata.
Comer bem, de forma continuada, não deve ser complicado nem
desinteressante. Há que ser criativo e, na dúvida, simplificar. Trocar
um lanche processado, como por exemplo um croissant, por uma
peça de fruta e um iogurte natural ou sem açúcar adicionado é um bom
exemplo de que não é necessário gastar mais dinheiro ou ter muito
trabalho para fazer escolhas que nos sabem e fazem bem.