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Viver com Obesidade

O “fato novo” de Marisa Oliveira: “Transformei o meu caso em milhares de casos”

Marisa Oliveira tem 41 anos e depois de duas cirurgias bariátricas conseguiu recuperar o controlo sobre o seu peso. Foi mãe aos 17 anos, em 1997, e foi durante a gravidez que engordou cerca de 60 quilos. Depois disso, colocou uma banda gástrica, mas o resultado não foi o esperado. 17 anos depois, já em 2014, colocou um bypass gástrico e decidiu que queria transformar o seu caso em milhares de casos, ajudando mais pessoas na sua situação. O resultado foi a criação da Associação Portuguesa dos Bariátricos (APOBARI).

3 min. leitura
Marisa Oliveira

Emprego, sapatos e bolos

Até aos 17 anos, sempre tive um peso equilibrado. No entanto, vim de uma família disfuncional e vivi na Casa Pia, mas queria sair de lá e engravidar era a única forma. Foi quando engravidei, nessa mesma idade, que comecei a engordar e nunca mais voltei ao mesmo peso. Engordei cerca de 60 quilos, porque levei à letra o conselho da médica de que tinha de comer por dois e passei a comer a dobrar ao invés de comer de forma saudável. Quando o meu filho nasceu o número na balança marcava já os três dígitos, mas continuei a engordar até chegar aos 140 quilos.

Foi quando fui a um parque de animações com o meu filho que tive o clique de que precisava de fazer a cirurgia. Ele queria andar num carrossel e para o fazer tinha de ter companhia, mas eu não coube na cadeira. E isto foi horrível. Foi o que me fez despertar. Tinha de fazer alguma coisa, porque não conseguia acompanhar o meu filho na vida dele.

Também era difícil arranjar trabalho. Lembro-me de, depois de ter tirado o curso de jornalismo, responder a uma entrevista para uma rádio. A primeira triagem foi por telefone e gostaram da minha voz, mas quando cheguei para uma entrevista presencial, a reação não foi a mesma. Quando cheguei, o senhor olhou para mim e questionou se a outra rapariga que tinha vindo comigo à entrevista também era assim, “gorda”.

E acontecia o mesmo noutras ocasiões. Por vezes, o próprio comércio tem consequências para a auto- estima de uma pessoa com excesso de peso. Lembro-me de entrar numa loja para comprar uns sapatos para uma criança, mas imediatamente a empregada me disse que não havia ali nada para mim. Fiquei tão triste, desatei a chorar e fui embora. De facto, a sociedade não está preparada para lidar com pessoas diferentes, pessoas com obesidade.

A obesidade é uma doença que está à vista de todos e existe estigma por isso mesmo. Entramos, por exemplo, numa pastelaria e pedimos um bolo. Quando se é gordo, olham para o lado e comentam, mas se for uma pessoa magra não acontece isso.

Motivar outros para renascer

Com 22 anos, em 2002, fiz então a minha primeira cirurgia, uma banda gástrica. Depois disso passei de 140 para 80 quilos, mas como a banda é apenas uma intervenção restritiva, o estômago voltou a dilatar e voltei a engordar.

Além disso, como fiz a intervenção num hospital público, o acompanhamento também não era muito bom e era preciso uma ferramenta. E o bypass é uma ferramenta excelente que faz com que mesmo que se cometa algum disparate a absorção não seja feita. Claro que depois sofremos as consequências, ficamos com dumpings ou com sinais de uma hipoglicémia por exemplo, mas, por isso mesmo, depois não voltamos a repetir. Esta é uma ferramenta que também vai ajudar a equipa multidisciplinar, porque faz com que sejamos cumpridores.

Passados vários anos, fui operada a uma hérnia discal na zona lombar devido ao excesso de peso, o que me fez procurar uma solução mais radical, o bypass, que realizei em 2014. Infelizmente, devido a complicações, fiquei internada durante cerca de três meses e foi durante este tempo que decidi que tinha de pegar no que estava a acontecer de negativo e transformá-lo em algo de positivo.

Na minha altura, tive acompanhamento multidisciplinar, mas achei que era bastante importante haver ainda mais acompanhamento. Decidi então que tinha de fazer alguma coisa. Investiguei e não havia nenhuma associação dirigida apenas a bariátricos. E foi assim, juntei mais oito bariátricos e criei a associação em 2015. E até agora tem corrido muito bem, lutamos pelo acesso mais fácil dos pacientes às cirurgias.

É muito importante estarmos no terreno e desenvolvermos a motivação. Motivar pessoas a fazer o mesmo que nós rumo a uma nova vida, um novo renascer.

Hoje sou assistente social e enquanto técnica dou apoio no terreno a pessoas que querem fazer a cirurgia bariátrica e é mesmo muito bom, porque somos pares, acabamos por incentivar e motivar. Através de nós já conseguimos operar mais de quatro mil pessoas, em cerca de cinco anos e as pessoas não se sentem sozinhas. Eu transformei o meu caso em milhares de casos, tinha de transformar isto em alguma coisa positiva.

O “novo fato”

A partir daí, foi sempre a emagrecer e a ajudar outras pessoas. Foi uma grande mudança relativamente ao caminhar, ao poder cruzar as pernas e ao facto de poder vestir de tudo e mais alguma coisa. Quando emagreci tudo o que tinha para emagrecer também fiz as cirurgias de reconstrução corporal. Agora visto bikinis e tudo o que quero.

A nível emocional a transformação também foi grande. Quando me vejo ao espelho sinto orgulho. É muito bom olhar para mim e ver um corpo normal, não ver nada pendurado. Não digo que tenho um corpo perfeito, porque tenho cá as cicatrizes, mas tenho um corpo normal, não sou obesa, posso vestir tudo o que quiser.

Principalmente, sinto que gosto do meu “novo fato”. É mais saudável, leve e dá-me mais qualidade de vida. Passo despercebida, porque as pessoas já não olham para mim por ter excesso de peso. Nunca tive estigma relativamente a mim própria, nunca me senti mal por ser obesa, nunca deixei de fazer alguma coisa por ser obesa, mas quando olho para o espelho olho para a pessoa que sempre existiu, mas que estava num fato que não era o dela e sinto muito orgulho em relação a isso e também muita gratidão.

O conselho que deixo a outras pessoas que tenham obesidade é que façam tudo para despir o peso do fato que têm vestido neste momento, porque não é o fato delas. O delas é o da saúde, do renascer, do sentirem-se leves e livres. Este fato que temos vestidos enquanto obesos é uma doença. Dispam-no, sintam-se livres e com qualidade de vida, e, se precisarem de ajuda, nós podemos ajudar a procurar a verdadeira essência, porque nós não somos assim, não somos obesos, este fato não é nosso e se quisermos este pode passar a pertencer ao passado e não ao futuro.

 

PT24OB00033

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