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Viver com Obesidade

A importância do acompanhamento multidisciplinar para Clarisse Pires

Foi em 2005 que Clarisse Pires, decidiu que precisava de mudar a sua vida. Depois de inúmeras dietas e três cirurgias, Clarisse mudou não só o rumo da sua vida, como também o da vida dos seus dois filhos. Atualmente, é secretária da ADEXO - Associação de Doentes Obesos e Ex-obesos de Portugal, da qual faz parte desde 2006 e graças à qual descobriu a possibilidade de fazer uma cirurgia para ajudar a tratar a sua doença.

3 min. leitura
Pediatra Carla Rêgo

Lido com o excesso de peso desde o início da adolescência. Até aos 9 anos era uma criança com um peso normal, tendo inclusivamente nascido com baixo peso, o que significa que passei os primeiros anos da minha vida numa espécie de luta para comer mais. No entanto, algo se alterou com o início da puberdade e da menstruação que fez com que o meu apetite aumentasse drasticamente, e é aqui que começa a minha história com o excesso de peso.

Com 11 anos, apesar de ainda não ter obesidade, já tinha passado por quase todos os endocrinologistas conhecidos, mas o peso continuou a aumentar.

Ao longo do meu crescimento e já mesmo na vida de jovem adulta, fiz inúmeras dietas, fui acompanhada por vários especialistas e foram-me receitados vários medicamentos. No entanto, nada parecia resultar e acabava sempre por voltar ao mesmo peso.

Em 1991 tive a minha primeira filha, mas consegui manter-me com um peso normal. No entanto, passados dois anos, tive uma segunda gravidez, não levada a termo, que me deixou com obesidade. O meu peso ainda não chegava aos três dígitos, mas para lá caminhava.

Foi após o nascimento do meu segundo filho, resultante da minha terceira gravidez, que cheguei ao patamar de obesidade de classe III, com 112 quilos e um metro e sessenta de altura. A partir daí, o meu peso foi sempre aumentando, até chegar aos 136,5 quilos.

Uma solução mais definitiva

Sou enfermeira e sempre trabalhei em cuidados intensivos neonatais e pediátricos, em urgência de pediatria e em obstetrícia, sítios que precisam de pessoas ágeis. Nunca deixei que o meu peso prejudicasse o meu trabalho e, devido a isso, também nunca senti represálias devido ao meu peso, sendo que as duas únicas experiências negativas que advieram do meu excesso de peso dizem respeito à altura em que me candidatei à universidade e quando estava a ser tratada com recurso a dietas por um médico em específico.

No entanto, mesmo não sendo percetível para os outros, a pouco e pouco, comecei a sentir alguma dificuldade ao realizar as tarefas habituais. Lembro-me até de dizerem que parecia uma bailarina russa, referindo-se ao bailado russo com pessoas com excesso de peso. Continuava a mexer-me bem, mas sentia-me mais cansada.

Foi em 2004 que descobri pela primeira vez a existência de cirurgias, através de um folheto da ADEXO. Decidi de imediato que precisava de saber mais sobre estas e comecei a minha pesquisa. Procurei um cirurgião e falei com ele sobre esta possibilidade. Nesta altura, comecei a perceber que as dietas nunca iriam resultar e acabava sempre por sentir que o meu peso se comportava como um yo-yo, ora subia, ora descia.

Já estava cansada. Cansada de falar com endocrinologistas, cansada de falar com todos os médicos conhecidos e aclamados e de nada resultar. A verdade é que perdia peso, os tratamentos resultavam, mas a partir do momento em que parava a dieta, voltava a ganhar peso. E o reganho era ainda maior do que o peso perdido.

Em 2005 fiz finalmente a minha primeira cirurgia, a colocação de uma banda gástrica. Na altura resultou e eu adaptei-me muito bem. Consegui chegar ao meu peso atual, 79 quilos. Decidi fazer a cirurgia por uma questão de saúde, principalmente porque tinha dores ósseas e problemas respiratórios. Depois, comecei a pensar nos meus filhos. Se continuasse a este ritmo não os iria ver a crescer, não ia conseguir brincar com eles. Queria o melhor para eles, queria estar na vida deles. Tinha de colocar um travão nisto.

No entanto, seis anos depois, em 2011, a banda deslocou-se, fez-me uma lesão no esófago e tive de voltar ao bloco operatório para a retirar, acabando por fazer um bypass gástrico. Infelizmente e devido ao meu histórico familiar, a minha anemia ferropénica começou a agravar-se, sendo que comecei ainda a perder outras vitaminas, sais minerais e até proteína. Devido a isto, em 2015, tive de reverter o meu bypass para uma sleeve e a partir daí tudo estabilizou.

Agora sinto-me mais motivada para fazer atividades como exercício físico ou até comprar roupa. Já fiz inclusivamente as cirurgias reconstrutivas e claro que me sinto melhor. Tenho uma forma diferente e mais satisfatória de conviver com o meu corpo, olho-me ao espelho e vejo-me de outra maneira.

Atualmente, tenho 79 quilos e a minha decisão mudou não só a minha vida, mas também o rumo da vida dos meus filhos. O meu filho cresceu de forma saudável e a minha filha sujeitou-se a uma cirurgia de sleeve aos 24 anos para não seguir as pisadas da mãe.

Pediatra Carla Rêgo

A importância do apoio multidisciplinar

Antes de ser operada, fui acompanhada por uma equipa multidisciplinar, com nutricionista, psicóloga, equipa de medicina interna e de gastroenterologia. Ou seja, passei por toda a equipa até ser realmente operada, algo crucial para o sucesso da intervenção.

O tratamento da obesidade não passa apenas pela operação, há todo um trabalho de bastidores que tem de ser feito e que é fundamental, tanto no pré, como no pós-operatório.

A cirurgia é como uma máquina, um berbequim. Existem várias peças, umas para trabalhar com madeira, outras com ferro, etc. E posso dizer que tenho uma máquina muito boa e que faz muitas coisas, mas se não souber utilizá-la ponho-a só na prateleira para dizer que a tenho e não consigo mostrar o trabalho feito por ela. A cirurgia da obesidade é a mesma coisa. Posso sujeitar-me a todas as cirurgias, mas se não trabalhar a minha compulsividade com os alimentos, a parte do exercício e os planos alimentares, mais tarde ou mais cedo, volto a engordar e posso até provocar lesões.

E a maior dificuldade é mesmo esta, trabalhar a parte psicológica, porque nós somos operados ao estômago e não à cabeça. Para isto, a equipa multidisciplinar é importante, mas a nível público nem sempre os psicólogos disponíveis conseguem dar resposta a todos os pedidos.

Foi a pensar nisto e em ajudar outras pessoas com a mesma doença que em 2006, depois de realizar a primeira cirurgia, comecei a aproximar-me da associação ADEXO e a disponibilizar-me para partilhar a minha experiência com outras pessoas, sendo que já o fazia com o meu cirurgião.

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