Foi em 2005 que Clarisse Pires, de 59 anos, decidiu que precisava de
mudar a sua vida. Depois de inúmeras dietas e três cirurgias, Clarisse
mudou não só o rumo da sua vida, como também o da vida dos seus dois
filhos. Atualmente, é vice-presidente da ADEXO - Associação de Doentes
Obesos e Ex-obesos de Portugal, da qual faz parte desde 2006 e graças
à qual descobriu a possibilidade de fazer uma cirurgia para ajudar a
tratar a sua doença.
Lido com o excesso de peso desde o início da adolescência. Até aos 9
anos era uma criança com um peso normal, tendo inclusivamente nascido
com baixo peso, o que significa que passei os primeiros anos da minha
vida numa espécie de luta para comer mais. No entanto, algo se alterou
com o início da puberdade e da menstruação que fez com que o meu
apetite aumentasse drasticamente, e é aqui que começa a minha história
com o excesso de peso.
Com 11 anos, apesar de ainda não ter obesidade, já tinha passado por
quase todos os endocrinologistas conhecidos, mas o peso continuou a aumentar.
Ao longo do meu crescimento e já mesmo na vida de jovem adulta, fiz
inúmeras dietas, fui acompanhada por vários especialistas e foram-me
receitados vários medicamentos. No entanto, nada parecia resultar e
acabava sempre por voltar ao mesmo peso.
Em 1991 tive a minha primeira filha, mas consegui manter-me com um
peso normal. No entanto, passados dois anos, tive uma segunda
gravidez, não levada a termo, que me deixou com obesidade. O meu peso
ainda não chegava aos três dígitos, mas para lá caminhava.
Foi após o nascimento do meu segundo filho, resultante da minha
terceira gravidez, que cheguei ao patamar de obesidade mórbida, com
112 quilos e um metro e sessenta de altura. A partir daí, o meu peso
foi sempre aumentando, até chegar aos 136,5 quilos.
Sou enfermeira e sempre trabalhei em cuidados intensivos neonatais e
pediátricos, em urgência de pediatria e em obstetrícia, sítios que
precisam de pessoas ágeis. Nunca deixei que o meu peso prejudicasse o
meu trabalho e, devido a isso, também nunca senti represálias devido
ao meu peso, sendo que as duas únicas experiências negativas que
advieram do meu excesso de peso dizem respeito à altura em que me
candidatei à universidade e quando estava a ser tratada com recurso a
dietas por um médico em específico.
No entanto, mesmo não sendo percetível para os outros, a pouco e
pouco, comecei a sentir alguma dificuldade ao realizar as tarefas
habituais. Lembro-me até de dizerem que parecia uma bailarina russa,
referindo-se ao bailado russo com pessoas com excesso de peso.
Continuava a mexer-me bem, mas sentia-me mais cansada.
Foi em 2004 que descobri pela primeira vez a existência de
cirurgias, através de um folheto da ADEXO. Decidi de imediato que
precisava de saber mais sobre estas e comecei a minha pesquisa.
Procurei um cirurgião e falei com ele sobre esta possibilidade. Nesta
altura, comecei a perceber que as dietas nunca iriam resultar e
acabava sempre por sentir que o meu peso se comportava como um
yo-yo, ora subia, ora descia.
Já estava cansada. Cansada de falar com endocrinologistas, cansada
de falar com todos os médicos conhecidos e aclamados e de nada
resultar. A verdade é que perdia peso, os tratamentos resultavam, mas
a partir do momento em que parava a dieta, voltava a ganhar peso. E o
reganho era ainda maior do que o peso perdido.
Em 2005 fiz finalmente a minha primeira cirurgia, a colocação de uma
banda gástrica. Na altura resultou e eu adaptei-me muito bem. Consegui
chegar ao meu peso atual, 79 quilos. Decidi fazer a cirurgia por uma
questão de saúde, principalmente porque tinha dores ósseas e problemas
respiratórios. Depois, comecei a pensar nos meus filhos. Se
continuasse a este ritmo não os iria ver a crescer, não ia conseguir
brincar com eles. Queria o melhor para eles, queria estar na vida
deles. Tinha de colocar um travão nisto.
No entanto, seis anos depois, em 2011, a banda deslocou-se, fez-me
uma lesão no esófago e tive de voltar ao bloco operatório para a
retirar, acabando por fazer um bypass gástrico. Infelizmente e devido
ao meu histórico familiar, a minha anemia ferropénica começou a
agravar-se, sendo que comecei ainda a perder outras vitaminas, sais
minerais e até proteína. Devido a isto, em 2015, tive de reverter o
meu bypass para uma sleeve e a partir daí tudo estabilizou.
Agora sinto-me mais motivada para fazer atividades como exercício
físico ou até comprar roupa. Já fiz inclusivamente as cirurgias
reconstrutivas e claro que me sinto melhor. Tenho uma forma diferente
e mais satisfatória de conviver com o meu corpo, olho-me ao espelho e
vejo-me de outra maneira.
Atualmente, tenho 79 quilos e a minha decisão mudou não só a minha
vida, mas também o rumo da vida dos meus filhos. O meu filho cresceu
de forma saudável e a minha filha sujeitou-se a uma cirurgia de sleeve
aos 24 anos para não seguir as pisadas da mãe.
Antes de ser operada, fui acompanhada por uma equipa
multidisciplinar, com nutricionista, psicóloga, equipa de medicina
interna e de gastroenterologia. Ou seja, passei por toda a equipa até
ser realmente operada, algo crucial para o sucesso da intervenção.
O tratamento da obesidade não passa apenas pela operação, há todo um
trabalho de bastidores que tem de ser feito e que é fundamental, tanto
no pré, como no pós-operatório.
A cirurgia é como uma máquina, um berbequim. Existem várias peças,
umas para trabalhar com madeira, outras com ferro, etc. E posso dizer
que tenho uma máquina muito boa e que faz muitas coisas, mas se não
souber utilizá-la ponho-a só na prateleira para dizer que a tenho e
não consigo mostrar o trabalho feito por ela. A cirurgia da obesidade
é a mesma coisa. Posso sujeitar-me a todas as cirurgias, mas se não
trabalhar a minha compulsividade com os alimentos, a parte do
exercício e os planos alimentares, mais tarde ou mais cedo, volto a
engordar e posso até provocar lesões.
E a maior dificuldade é mesmo esta, trabalhar a parte psicológica,
porque nós somos operados ao estômago e não à cabeça. Para isto, a
equipa multidisciplinar é importante, mas a nível público nem sempre
os psicólogos disponíveis conseguem dar resposta a todos os pedidos.
Foi a pensar nisto e em ajudar outras pessoas com a mesma doença que
em 2006, depois de realizar a primeira cirurgia, comecei a
aproximar-me da associação ADEXO e a disponibilizar-me para partilhar
a minha experiência com outras pessoas, sendo que já o fazia com o meu cirurgião.