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Viver com Obesidade

Rui Marques e o seu papel enquanto pai: “Quero ser um exemplo para os meus filhos”

Foi quando nasceu o seu primeiro filho que Rui Marques, de 36 anos, percebeu que tinha de mudar. Tinha cerca de 120 quilos e sentia que corria todos os dias com 6 garrafões de água nas mãos. Defende que os pais têm de ter um papel forte na criação de hábitos saudáveis dos seus filhos e que devem também dar o exemplo. Foi a pensar nisto que criou o projeto “A Pitada do Pai” em 2016, tendo como objetivo transformar pais em heróis saudáveis para os mais novos.

3 min. leitura
Pediatra Carla Rêgo

A falta de informação: Saber quando comer e o que comer

Sempre tive excesso de peso. Nasci com quase 5 quilos e tive sempre tendência para engordar. Além disso, sempre comi muito e cresci nos anos 90, altura em que a moda era comer cereais e pães com chocolate, não havendo muita informação disponível sobre o valor nutricional dos alimentos.

Olhando para trás, vejo que a minha família e eu cometemos vários erros ao longo da vida. Posso dizer que tenho um metabolismo mais lento e que a influência genética contribui bastante para o excesso de peso, mas houve também algumas escolhas inconscientes dos meus pais. Claro que os pais querem sempre o melhor para os filhos mas, naquela altura e com a informação que tinham, foi o melhor que conseguiram fazer.

Gostava de ajudar a minha mãe a fazer bolos, petiscos e gostava de ir a determinados sítios com os meus avós porque sabia que lá haveria pratos que apreciava. Gostava e gosto de comer e cada vez mais gosto de o fazer, mas agora escolho os momentos certos. É esse o segredo, saber quando comer e o que comer.

Quando somos miúdos podemos comer quase tudo porque o gasto calórico é grande. Sempre fiz atividade física regular. Joguei andebol desde os 7 anos e só parei com cerca de 30. Por isso, nunca engordei muito, apesar de sempre ter tido excesso de peso.

Ainda assim, não tinha complexos. Era um dos melhores alunos da turma e bem-sucedido no desporto, o que me dava confiança, apesar da minha fisionomia. Recordo-me de ter a alcunha de “bolinha” na escola e no andebol, mas isso nunca me afetou.

Foi quando parei de jogar, 24 anos depois, que comecei realmente a engordar. Comecei a comer mais do que aquilo que gastava, o que se refletiu no peso.

A vontade de mudar

Foi quando o meu primeiro filho nasceu que atingi o meu peso máximo, cerca de 120 quilos. Foram umas semanas de descontração em que relaxamos um pouco porque receber um recém nascido em casa é um feito para o casal e para a família.

Mas a certa altura olhei para mim e pensei que precisava de mudar. Não me custava andar, mas tinha dores nas costas e pernas. Aproveitei a recuperação pós-parto da minha mulher e decidi agir. Juntos começámos a ter uma alimentação mais saudável e, naquelas semanas, senti uma diferença impressionante de volume no corpo. Dormia melhor, estava mais calmo e queria continuar assim. Decidi começar a treinar e consegui perder 15 quilos num ano.

Foi também nessa altura, em 2016, que lancei o blog “A Pitada do Pai”, já o meu filho tinha mais ou menos seis meses. O projeto nasceu precisamente da vontade de dar o exemplo e uma alimentação mais saudável ao meu filho. Senti que a minha vida tinha de mudar e tinha de fazer alguma coisa relacionada com a alimentação.

Quando cheguei aos cerca de 104 quilos comecei a treinar com um personal trainer e a ser seguido pela nutricionista Lillian Barros, o que me ajudou a chegar aos 88 quilos. Treinava a um ritmo bastante elevado e reeduquei completamente os meus hábitos alimentares.

Em 2018, chegámos a um acordo para um programa de culinária com o nome do blogue (no canal My Cuisine) e decidi que queria aparecer em televisão ainda melhor, tendo chegado aos 82 quilos. Passava muitas horas em pé, treinava e sentia-me bem física e psicologicamente.

Antes, era como andar sempre a correr com seis garrafões de água nas mãos. Parece que não é muito, mas faz muita diferença. Mesmo relativamente ao meu filho, passou a ser mais fácil pegar-lhe e brincar com ele.

Hoje peso 95 quilos, mas olho para mim e quero melhorar.

Pediatra Carla Rêgo

Aquilo que sabemos influencia o resultado

Ao longo deste processo, a ajuda especializada foi crucial. Aquilo que nós sabemos influencia o resultado e poder ter um acompanhamento personalizado e adaptado às nossas necessidades é uma mais-valia.

Cada organismo é diferente, tanto em termos físicos como psicológicos. Os programas alimentares e de exercício têm de ser pensados para nós. Um exemplo prático, no meu caso tenho mais limitações na parte lombar e não posso fazer determinados exercícios. Com a alimentação acontece o mesmo, é preciso personalizar.

Relativamente à parte psicológica nunca necessitei de acompanhamento, porque o excesso de peso nunca afetou a minha autoestima e consegui reagir a tempo, mas a verdade é que a cabeça manda em tudo. Se não tivermos foco e não nos mentalizarmos de que temos de mudar não vamos ter sucesso.

A força dos bons exemplos

Sejamos maus, mais ou menos, ou extraordinários, a verdade é que somos sempre o exemplo dos nossos filhos. Eles olham para nós e abraçam-nos sempre como se fôssemos heróis e eu quero que eles vejam o exemplo disso mesmo. Quero ser um exemplo para os meus filhos e não quero que desejem pesar o mesmo que o pai, porque eles querem imitar-nos em tudo.

O meu filho mais velho tem quase 6 anos e já começa a ter alguma consciência relativamente à alimentação. Já questiona o porquê de comermos certas comidas sem carne, por exemplo, e é esta consciencialização que é muito difícil, mas importante. Enquanto pais, devemos mostrar-lhes que alimentos são bons.

Se perguntarmos às famílias portuguesas se oferecem sempre legumes ou sopa às crianças durante a refeição o resultado não deve ser muito positivo. Muitas vezes isto acontece porque o pai não gosta de vegetais ou sopa e prefere comer arroz e massa.

O primeiro passo é mesmo dar o exemplo. Não posso querer que o meu filho coma brócolos se eu estou sempre a comer batatas fritas. Enquanto pais, não podemos desvalorizar a nossa saúde. Podemos e devemos comer de tudo (ou quase tudo), mas temos de encontrar o equilíbrio.

Além disso, vivemos num país que é riquíssimo do ponto de vista alimentar. Temos sabores de todos os tipos e para todos os gostos, mas muitas vezes repete-se a mesma comida a todas as refeições ou opta-se pelo mais fácil, como os alimentos fritos.

Os meus filhos sabem que fora de casa podemos prevaricar, mas que em casa há sempre sopa, legumes, proteína e lanches saudáveis. Em casa, evitamos ter alimentos processados e pouco saudáveis, porque construir bons hábitos alimentares é como construir um castelo de cartas, basta um pequeno erro e facilmente este poderá desabar. É isso que queremos evitar.

Existem muitos truques para tornar a nossa alimentação mais saudável. Podemos procurar formas de substituir o açúcar, com a utilização de frutas para adoçar, e procurar fazer lanches mais variados e saudáveis. É mais fácil abrir o frigorífico e tirar um alimento que só precise de ir ao forno para estar pronto, mas devemos investir na alimentação dos nossos filhos - não é perder tempo, é investir na sua saúde!

Até porque o paladar educa-se. Os meus filhos levam o lanche de casa para evitar que ingiram tanto açúcar. Quando não há este cuidado, as crianças acabam por não querer comer outros alimentos porque não são tão doces como aqueles aos quais estão habituados. Isto porque se o nosso paladar se habitua desde cedo ao sabor do açúcar, é difícil voltar atrás. É importante definir uma linha orientadora e esse é o nosso papel enquanto pais.

O importante é mesmo lançar as sementes e deixá-las crescer. Enquanto estiverem cá em casa, os meus filhos comem bem e de tudo. Daqui a uns anos, serão eles a ter essa preocupação.

O papel das escolas

Lembro-me de estar num restaurante com o meu filho e de uma pessoa dizer que nunca tinha visto uma criança comer tantos brócolos. Mas isto não deveria ser estranho. O assustador é ver aquilo que é servido nos restaurantes, como uma salada com tomate e alface que custa 8 euros. A nossa cultura e a nossa tradição gastronómica são muito mais do que isto! Vivemos num país em que os legumes, a carne, o peixe e a fruta são provavelmente dos melhores do mundo… mas comemos sempre as mesmas coisas.

É urgente desfazer a ideia de que a comida saudável não sabe bem. É esta a missão d’ “A Pitada do Pai”: conseguir descomplicar a alimentação e ajudar as pessoas.

É aqui que entra, também, o papel das escolas. Tem vindo a ser feito algum trabalho de sensibilização e do controlo daquilo que é oferecido nas escolas como, por exemplo, a proibição de determinados alimentos nos bares. No entanto, a comunicação desta decisão pode não ter sido feita da melhor maneira. Talvez fosse menos chocante dizer que as escolas vão passar a vender alimentos mais saudáveis ao invés de dizer que determinados alimentos vão passar a ser proibidos.

Há um trabalho enorme a ser feito na sociedade que deve começar na sensibilização. A ideia de que se está a proibir pizzas e cachorros nos bares, mas que depois as refeições das cantinas não têm qualidade são dois pontos que não devem ser misturados. Não podemos estar a misturar ou a tapar um erro com outro erro. É importante perceber que cada ponto tem de ser gerido da forma correta.

Por outro lado, não existem verdades absolutas e ninguém é perfeito. O importante é o equilíbrio e isto deve fazer parte da educação, inclusive nas escolas, onde poderia ser incluída uma disciplina de educação alimentar. É uma luta muito grande, mas precisamos de educar as crianças e os adultos:  mostrar que temos alimentos muito bons ao nosso dispor e que é tudo uma questão de escolha.

PT24OB00038

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