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Viver com Obesidade

O que é a obesidade? A endocrinologista Joana Menezes explica

Para perceber a obesidade, há que afastar ideias e pensamentos pré-concebidos, adverte a endocrinologista Joana Menezes. Só assim se evita o “comportamento negligente e discriminatório relativamente a uma doença e que tem causa(s), tratamento(s) e implicações na saúde física e mental do doente.” Formar duplas médico-paciente, personalizando o atendimento, é, para a especialista, a melhor forma de garantir que a pessoa com obesidade faz “parte da tomada de decisão”, trazendo melhores resultados.

3 min. leitura
Dr. Joana Menezes, endocrinologista

Quais os efeitos de, durante o crescimento, se repetirem frases como “come menos, mexe-te mais” a crianças e jovens e receber-se este mesmo conselho já em idade adulta? Para a endocrinologista Joana Menezes, esta é uma conceção “estigmatizante e frustrante ao mesmo tempo, como se o peso de cada um dependesse única e exclusivamente de uma vontade própria”.

Sabe-se hoje o que é a obesidade e conhecem-se as variáveis envolvidas na determinação do peso, “desde as genéticas (hereditárias) e metabólicas, passando pelas comportamentais, profissionais, familiares, sociais, culturais e económicas, além das iatrogénicas (induzidas por tratamentos que a pessoa faça para tratar outra doença) e/ou causadas por outras doenças como o hipotiroidismo ou o síndrome/doença de Cushing. São inúmeras as causas que contribuem para o excesso de peso e obesidade. Muitas vezes são multifatoriais, cruzando-se entre si e ao longo da vida do doente, pelo que uma abordagem simplista não poderia ser mais redutora”. O conselho “come menos, mexe-te mais” não podia ser, por isto, mais redutor.

Para gerir a obesidade, mude o seu estilo de vida

Uma das melhores estratégias para gerir a doença é acompanhar a pessoa com obesidade de forma personalizada ao longo da sua vida, e “este tratamento multidisciplinar não se esgota num plano alimentar único e padrão”, como refere Joana Menezes. Alterar “o estilo de vida para a vida” será uma etapa necessária, “adaptada a cada um, à sua religião, profissão, crença ou estado atual”, explica a especialista.

Mas o que é concretamente este “estilo de vida”? É, na verdade, uma junção de aspetos que se resume a “ser-se saudável e feliz”:

  • Acompanhamento médico adequado;
  • Seguir os princípios de uma alimentação saudável.
  • Incluir exercício no dia-a-dia sendo o melhor exercício o que a pessoa com obesidade efetivamente fizer e que lhe traga gozo, para que não desista à mínima chuva ou orvalho;
  • Aumentar a atividade diária, usando as escadas ou caminhando mais, por exemplo;
  • Dormir bem;
  • Ter uma boa gestão dos níveis de stress e ansiedade.

O plano alimentar como uma das bases da mudança

Sobre o plano alimentar, a endocrinologista explica os sinais de alerta e a importância de encarar os alimentos de uma forma diferente. “Quando uma pessoa com obesidade adota um plano de restrição calórica, o organismo responde aumentando a fome, porque quer constância, estabilidade, quer voltar ao que está habituado e, como tal, responde a essa privação, no sentido de se aumentar novamente o aporte calórico.” Esta é, na verdade, uma vantagem evolutiva que permitiu a sobrevivência do Homem.

A relação com a comida deve ser saudável, não uma “fonte de consolo ou um escape”. E acrescenta: “nessas situações, a terapêutica cognitivo-comportamental e o acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico são essenciais.”

Olhar para a obesidade como doença que se gere a vários níveis é fundamental para o sucesso da sua gestão. “Existem atualmente vários tratamentos que podemos (e devemos) oferecer aos nossos doentes. Não nos esqueçamos que, além de uma doença, a obesidade condiciona muitas outras doenças e piora o prognóstico de outras, sendo responsável pelo aumento de morbilidade e mortalidade”.

Como abordar a obesidade em consulta?

Numa consulta com um paciente que vive com obesidade, mas procurou o médico por outro motivo, é muito importante a abordagem que se faz do tema a essa pessoa: não estigmatizar ou afastar o paciente é crucial para que se crie, à partida, uma boa relação médico-paciente, que surta os efeitos pretendidos.

A endocrinologista explica que, para estes casos, está preconizada a abordagem dos 5A’s: ask (perguntar)assess (avaliar)advise (aconselhar)agree (chegar a acordo e apoiar)assist (acompanhar):

  • iniciar sempre com um pedido de permissão para falar sobre o assunto (ask) e explorar se a pessoa com obesidade está preparada para a discussão;
  • avaliar (assess) o grau de obesidade, não apenas o peso e índice de massa corporal, mas como o organismo está em termos de doença, funcionalidade física e mental, e quais os gatilhos/causas, complicações e barreiras ao tratamento;
  • aconselhar (advise) a pessoa com obesidade, acerca dos riscos da doença, discutir os benefícios da perda de peso e as opções de tratamento;
  • chegar a um consenso (agree) realístico, focado em ganho de saúde e de qualidade de vida (em vez de estabelecer objetivos numéricos);
  • acompanhar (assist) a pessoa com obesidade, ajustando o tratamento, aconselhando, referenciando, envolvendo outras áreas e especialidades, personalizando os cuidados e adaptando a terapêutica, porque a vida e as condições mudam, os gatilhos mudam e as pessoas também mudam.

O foco na pessoa através do diálogo e de uma abordagem personalizada, que a fará sentir-se envolvida e lhe dará autonomia e independência, pode trazer “resultados muito melhores e mais gratificantes”. “Estamos a dar autonomia e independência ao nosso paciente, na gestão de uma doença crónica, sobre a qual não tem culpa, mas sobre a qual pode tomar decisões mais conscientes, informadas e estruturadas”, esclarece Joana Menezes.

E porque “uma dupla médico-paciente bem articulada e funcional resultará muito melhor e responderá às necessidades que forem surgindo ao longo do tempo”, o apoio deve ser esclarecedor e realista, antecipando obstáculos que possam surgir, evitando situações de ioiô, “tão frequentes e traumatizantes para os pacientes”.

Sabendo o que é a obesidade, conhecendo os possíveis entraves à gestão do peso e as suas causas multifatoriais, é importante colocar os olhos num só objetivo: “ser-se saudável, atingir um peso adaptado a cada um (o seu melhor peso) e mantê-lo”. “Façamos o nosso melhor pelos nossos doentes, como mandam as leges artis – vamos ganhar anos de vida e anos de vida com qualidade, acima de tudo.”, conclui a endocrinologista. 

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